PARADOXOS

O dia está chuvoso. E eu não estou nos meus melhores dias. Chega-me agora por e-mail um convite para um lançamento de um livro. Chama-se "Ler e Amar na Adolescência". A autora é Maria Gabriela de Sousa Silva. Não confirmo a minha presença. Não me apetece. É que não estou nos meus melhores dias. Além disso, o dia está chuvoso. Aqui ao meu lado uns fulanos provam vinho como se não houvesse amanhã. E disparam castas como quem canta os números numa sala de bingo. Alvarinho, Arinto, Avesso, Azal, Gouveio, Loureiro, Malvasia, Moscatel, Rabigato, Trajaura, Viosinho, Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Alvarelhão, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Castelão, Jaeu, Syrah, Tinta Roriz, Touriga Franca, Touriga Nacional e Trincadeira. E todos gritam bingo para logo a seguir o sumo destes bagos percorrer avidamente o esófago, em direcção ao estômago, mas não sem antes esfregar-se nas papilas gustativas das suas linguas, como gato a esfregar-se nos cantos. Desafio-me para ir até ao cinema ver "Amor em Tempos de Cólera". Mas o dia está chuvoso. E eu não estou nos meus melhores dias. Tudo o que eu quero é saber o que quero. Definitivamente, hoje não me recomendo. E eles, lá continuam a provar vinho. E falam alto. E riem-se. E começam a dizer a verdade deles. In vino veritas. Pois. Eu é que não estou para isso. É que não estou nos meus melhores dias. E o pior, o que me deixa verdadeiramente com um nó existencial, e me confunde, e me irrita, é que também não estou nos meus piores dias. Ai eu. Procuro-me à noite. Fugo-me ao dia.