sábado, agosto 18, 2007

LENDO OLHOS DE CÃO AZUL


As férias tem destas coisas. Acaba sempre por nos vir parar às mãos um livro esquecido numa casa de férias qualquer. E é bom porque nos apanha desprevenidos. Vejamos. Olhos de cão azul é um livro de contos de Gabriel García Marquez. Escolho ao calhas um para ler naquele momento em que se torna insuportável aguentar o sol e nos mudamos para debaixo do guarda-sol à espera que a pele arrefeça para uma nova investida. Chama-se A terceira resignação e foi escrito em 1947. Delirei com este conto. Aliás, o próprio conto é um delírio. Foge aos limites do possível. Acima de tudo porque nos fala de uma «morte viva», de alguém que «morre de morte» porque essa é a sua doença. De alguém que apesar de estar morto, «sabemos que está vivo pelo crescimento, que continuará também normalmente». Foge completamente aos limites do possível. É ilógico, paradoxal, simplesmente contraditório. De tal forma que a mãe desse alguém lhe manda fazer «um caixão pequeno, de madeira nova; um caixão de criança, mas o médico mandou que lhe fizessem uma caixa maior, uma caixa para um adulto normal, pois aquela, pequena, poderia atrofiar o crescimento e viria a ser um morto disforme ou um vivo anormal». Mas mais surpreendente ainda é essa insinuação de que «um morto pode ser feliz com a sua situação irremediável». O problema é que nos resignamos a morrer de tal forma que acabamos mesmo por morrer de resignação. É essa a terceira resignação. É esse o delírio. Estranhamente, é essa a metáfora.

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