segunda-feira, janeiro 29, 2007

A PROPÓSITO DO CASO ESMERALDA

Quando me perguntaram se eu queria assinar um papel para libertar um sargento que tinha sido preso injustamente por amor à filha, eu disse que não. E apresentei as minhas razões: primeiro, não acredito em tudo o que me dizem; segundo, não conheço o sargento de lado algum. Concordo em absoluto com o texto de José Pacheco Pereira intitulado «Perigos absolutos da demagogia» publicado na revista Sábado da semana passada. Porque o perigo é mesmo absoluto e é mesmo da demagogia. O tratamento jornalístico dado a este tema tem sido genericamente um nojo. O processo em si já está cheio de trapalhadas e com as trapalhadas jornalísticas então tudo ficou um caos. Mas os "jornalistas" sabem ao que andam. Mais do que informar eles querem é criar sensação e trazer do estado latente esse epifenómeno que é a justiça popular. Como sempre, discute-se o que não interessa discutir. O programa «Prós e Contras», também da semana passada, mostrou isso mesmo, caminhando do princípio ao fim sobre o fio da navalha com alguns escorregões pelo meio (os únicos momentos de interesse). E o que interessa discutir é precisamente o tipo de protecção que o Estado confere (ou deveria conferir) aos jovens e crianças. Não acho que este caso seja simbólico sobretudo porque nas entrelinhas ele mostra-nos o que muitos outros nos mostram, isto é, a falsidade do argumento «superior interesse da criança». É que no superior interesse da criança, estariam mais crianças em contexto familiar e não institucional (os processos de adopção demoram demasiado tempo); no superior interesse da criança, muitas crianças de pais biológicos irresponsáveis, inconsequentes, negligentes, não teriam de perecer para provar que algo estava mal; no superior interesse da criança, a justiça não pode ser cega nem indiferente ao tempo; no superior interesse da criança, um juiz não arranca uma criança da sua família para a dar a um desconhecido; no superior interesse da criança, nós não desviaríamos os olhos fingindo que nada se passa na casa ao lado. O resto não interessa. O resto faz-me lembrar as carpideiras dos velhos tempos. As dos novos tempos são assim: hoje um escândalo Nacional, amanhã o episódio em que Frederico pede finalmente Floribela em casamento.

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Sobre o caso Esmeralda, o SOL de 27-01-2007 abre o destaque com a seguinte frase: «Uma sucessão de intervenções técnicas erradas, que não cuidaram do interesse da criança. É assim que os especialistas olham agora para o caso Esmeralda.» Finalmente a discussão começa a centrar-se naquilo que é realmente importante discutir.

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O psiquiatra Daniel Sampaio, na revista XIS de 27-01-2007, põe o dedo na ferida quando diz: «Em muitos locais, aparece a expressão "os superiores interessas da criança", mas quem cuida ou se preocupa verdadeiramente com os interesses da Esmeralda?» Mais à frente diz: «A verdade é que os nossos tribunais não têm qualquer competência para avaliar os "superiores interesses da criança", que tanto gostam de apregoar. Aos juizes e magistrados falta quase sempre formação e supervisão para decidir. Não existem acessorias credíveis nos tribunais, que decidem ou sem parecer técnico, ou com relatórios de psicólogos e assistentes sociais que não estão treinados em metodologia sistémica, isto é, não sabem (ou não podem) avaliar a situação em todas as suas vertentesEt voilá. Eis o momento oportuno para os senhores jornalistas irem ter com o senhor Ministro da Justiça, com o senhor Ministro da Solidariedade Social, com o senhor Primeiro-Ministro e com os senhores deputados, todos eles com «rabos de palha» nesta matéria.

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