quarta-feira, novembro 15, 2006

DAS AULAS DE FILOSOFIA DA RELIGIÃO (PARTE I)

Os que me conhecem sabem que sou agnóstico. Não acredito em Deus. Não acredito na religião. E não sinto qualquer necessidade de ser salvo. Talvez por isso quando me inscrevi no curso de formação complementar em Filosofia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a unidade temática sobre Filosofia da Religião me causasse alguma animosidade. O meu preconceito diluiu-se completamente quando me apareceu à frente o prof. Nuno Ferro, um ente incompleto que passou grande parte do tempo da primeira aula a falar sobre o que não ia falar. Cativou-me de imediato. Depois a forma como abordou o existencialismo e a forma como falou da existência humana e nos mostrou os nós cegos que compõem a malha desconcertou-me. Aqui ficam algumas notas avulsas e dispersas que, pela própria definição, sinalizam alguma coisa digna de atenção e de reflexão. Algumas delas sâo pontos de partida, outras são pontos de chegada.

O fenómeno religioso é um fenómeno regional. Há pessoas que gostam de Picasso, outras que gostam de futebol e outras que são Católicas.

O fenómeno religioso tem uma relação com as idades da vida. Estas são uma forma de encarar a existência. Na «Retórica de Aristóteles» encontramos as três idades da vida: juventude, maturidade e velhice. Em cada idade o fenómeno religioso transmuda-se.

A religião é uma coisa séria. As coisas sérias são coisas em que a nossa existência está a descoberto. Com a religião ou a saúde, por exemplo, não se brinca. Shakespeare nunca introduziu nas suas obras uma dimensão religiosa. Falou sempre do comum, daquilo que as pessoas entendem. Falou da paixão.

O homem, de uma forma ou de outra, tem de adquirir as condições da sua vida, isto é, tem de adquirir as condições da sua existência. Por isso o homem nasce nu, sem qualquer revestimento existencial.
Um cão, um gato, uma pereira, são entes completos, são naturezas. Um cão não tem pena de não ser gato. Uma pereira não tem crises existenciais porque em vez de pêras gostava de dar maçãs.

O que é a angústia? A angústia é o amanhã. As aves, por mais que voem, chegam sempre no mesmo dia. Não sofrem da angústia do amanhã. Por isso, sendo os animais entes completos, resta-lhes viver.

Feliz, ou se foi ou se vai ser. Há gente que pede muito pouco à vida. Talvez por isso haja gente feliz. Para outros nem toda a água acalma a sua sede. Para outros, dormir, comer e futebol não chega. «Para quem quer ser feliz, saúde e estupidez» (Fernando Pessoa).
Não nascemos ao calhas. Nascemos já com referenciais. Fazemos o que nos apetece mas não determinamos o que nos apetece. Porém, o apetecer está canonizado. Por exemplo: todos, quando nascem, têm de ser baptizados pela Igreja Católica. Todos, quando casam, têm de ir vestidos de branco. Todos, quando morrem, têm de ser benzidos pelo padre. Porém, há outros regimes de sentido, há outros caminhos. Porventura, caminhos menos percorridos.

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