quarta-feira, novembro 15, 2006


CONTARAM-ME UMAS COISAS...

Todos nós temos amigos. E amigos que ao almoço ou ao jantar nos contam coisas. Algumas dessas coisas dizem respeito à sua vida íntima, sentimental, afectiva, sexual, familiar, religiosa, etc.. Mas outras dessas coisas dizem respeito a todos os cidadãos desta república. Diria que são quase «coisas de Estado». São sobretudo coisas de bradar aos céus. Claro está que, como qualquer conversa entre amigos, há o princípio da confiança mútua e não se espera que se divulguem certas coisas. Mas se isso acontecer o comportamento é muito semelhante àquele que se verifica nas traições. Negamos sempre e até ao fim. Por isso não é um risco muito grande dizer que nos contaram umas coisas. Primeiro, porque não identificamos quem nos contou. Segundo, porque se eventualmente os identificarem eles irão negar sempre e até ao fim que nos contaram aquelas coisas. Terceiro, porque todos sabem que estas coisas são verdade. Aliás, elas são dicas importantes que nos ajudam a compreender melhor este atoleiro em que vivemos mas sobretudo o pano de fundo em que nos movemos. Quer dizer. Convenhamos. Uns melhores do que outros. Quarto, se alguém se der ao trabalho de investigar quem são os amigos então seguramente estamos perante a face exposta da censura do regime democrático pós-25 de Abril à liberdade de expressão dos seus cidadãos que, curiosamente, funciona precisamente da mesma maneira.

Vamos partir do princípio que as notícias que vêm nos jornais são verdadeiras. A Câmara Municipal de Lisboa está endividada até ao tutano. Aliás como quase todos os portugueses. Fala-se em cortes e suprimentos e outras engenharias financeiras para fazer o milagre da multiplicação dos pães. Mas há coisas que não se compreendem. Vejamos, a título de exemplo, o que se passa com a EPUL. Contaram-me que a EPUL alugou uns escritórios por 50 mil euros mensais. E gastou na decoração (de uma coisa alugada, note-se) cerca de 2 milhões de euros. Já para não falar nos ordenados milionários dos seus administradores. Mas há mais. A EPUL é uma empresa pública que foi criada em 1971 com o objectivo de auxiliar o município em desenvolvimento, estudo e execução de empreendimentos urbanísticos. Eis a missão da EPUL:

«Assumindo a sua vocação de empresa urbanizadora, a EPUL tem como principal missão o desenvolvimento urbanístico de grandes áreas da cidade e a realização de importantes projectos de reabilitação urbana, com o objectivo de criar cidade, criar a Lisboa do século XXI. A integração social, uma oferta alargada de serviços e produtos, o serviço ao cliente, a inovação tecnológica, a qualidade e a adopção de uma política de parcerias público-privadas são eixos estratégicos de acção da EPUL.» (Retirado daqui)

Os sublinhados são meus. É que mais uma vez há aqui algo que não bate certo. Vejamos. O programa EPUL jovem foi iniciado em 1996. No sítio da EPUL este programa é-nos apresentado da seguinte forma:

«Iniciado em 1996, o programa EPUL Jovem tem como principal objectivo a colocação de fogos no mercado habitacional da capital, a preços competitivos e exclusivamente direccionados para jovens. Até ao presente, a EPUL lançou doze empreendimentos ao abrigo do programa EPUL Jovem, colocando no mercado cerca de 2453 fogos, permitindo assim o acesso de centenas de jovens a habitação em várias zonas da cidade. (...)» (Retirado daqui)

Os sublinhados são meus. É que eu tenho uma amiga minha com 35 anos, solteira, que concorreu ao programa EPUL jovem e foi contemplada com uma casa no empreendimento de Entrecampos. Deixando de parte a discussão, em parte filosófica, do conceito de jovem que a EPUL tem, o que mais me desconcerta, pela pior das razões, é que eu sei que esta minha amiga já tem uma casa, em seu nome, em Lisboa. E eu também sei que não é caso único. O que quer dizer que tudo isto é mais do mesmo. Escuso-me a dizer o que é o mesmo. É que vocês sabem melhor do que eu.

E pronto. Foram estas as coisas que me contaram. Claro que oficialmente é tudo mentira. Por isso, meus amigos, neguem. Neguem sempre e até ao fim. O que importa é que nós sabemos que é verdade.

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No Público de hoje, Eduardo Prado Coelho escreve uma crónica intitulada "Gastos" criticando o esbanjamento da Câmara Municipal de Lisboa. Diz assim: «(...) A União das Associações de Comerciantes e Serviços afirma que o montante gasto com iniciativas e iluminações [de Natal] em toda a cidade deve andar aproximadamente em um milhão de euros. Segundo um protocolo existente, a câmara pagará uma parte considerável deste montante.(...)» E acrescenta: «(...) Não tenho nada contra estas iluminações natalícias e festividades que lhes estão associadas. Pelo contrário, à partida gosto desta alegria nocturna que invade os céus. Talvez, ao encher os corações de euforia, ela leve as pessoas a comprar mais - mas não estou certo. O que me pergunto é se haveria mesmo necessidade. (...)»

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Só com a árvore de natal gigante do Terreiro do Paço, presumivelmente a maior árvore de Natal da Europa, presumivelmente patrocinada pelo Millenium, implicou um gasto de 60 mil euros em logística e vai gastar 885 KW por hora de energia, obviamente tudo pago pelo município. Parece que o ministro da Economia tinha razão. A crise já era.

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