segunda-feira, janeiro 09, 2006

Palavras perdidas, e-mails esquecidos

É verdade que as novas tecnologias da comunicação, nomeadamente o correio electrónico, nos facilitaram bastante a vida. Hoje, no conforto do nosso lar, escrevemos e-mails para todo o mundo, à espera que esse mundo também nos escreva. Apesar da nostalgia da carta de papel e das palavras desenhadas com tinta, aderi muito rapidamente ao correio electrónio. É fácil, poupa-nos tempo e é sobretudo barato. Tudo seria perfeito se tudo funcionasse na perfeição. Mas não. É que há uma certa tendência colectiva para não respondermos aos e-mails que recebemos. Tenho dedicado algumas horas de reflexão a esse fenómeno. Porém, não consegui estruturar racionalmente qualquer explicação sociológica ou até tecnológica para este silêncio do receptor. Mais ainda porque o perfil do receptor é multifacetado. Tanto faz enviarmos e-mails aos nossos amigos como a instituições ou pessoas que num determinado momento da nossa vida fizeram parte da nossa história. Tanto faz. Pois ninguém responde. Mesmo quando queremos exercer o nosso papel de cidadão responsável e activo recebemos em troca um silêncio que nos incomoda e que nos decepciona. Resolvi por isso colocar aqui alguns (muito poucos) e-mails que escrevi e que ficaram sem resposta.

(para a revista XIS, suplemento do jornal Público, enviada sáb 17-12-2005 19:35)

«Caríssimos amigos:

Antes de mais os meus sinceros parabéns pelo conteúdo de qualidade que todas as semanas deixam o prelo para nos fazer pensar mais um pouco. Mas este meu contacto tem outro objectivo. Na edição de hoje da XIS, na página em que são anunciados alguns livros para crianças, nomeadamente os Livros Solidários da Fundação do Gil, é omitido um dos autores que em iguais circunstâncias contribuiu para esta causa. Esse autor é a Clara Pinto Correia que apesar de ser professora universitária é também escritora (com mais de 40 títulos publicados). Quero acreditar que foi um erro. E que não há nenhuma leitura entre-linhas possível. Mas muito honestamente ficava mais descansado se me dessem a garantia de esta omissão não passar de um erro com um ponto final e parágrafo.

Um abraço e votos de um bom trabalho.
Saúde e fraternidade,
Ricardo S. Reis dos Santos»


(para a escola onde estudei, enviada seg 19-12-2005 3:11)


«Caros amigos:

Há uns meses atrás, estava eu no lançamento de um livro na FNAC do Chiado e uma senhora sentada à minha frente causou-me uma certa inquietação. Eu conhecia aquela cara de algum sítio. Passei pois toda a sessão esforçando-me para associar aquela cara a um nome. Quer dizer. A uma identidade. E foi então que se fez luz. Apesar de ter as marcas do tempo, aquela cara tinha um nome - prof. Gabriela - e uma história - foi minha professora de inglês no preparatório. Interpelei-a e fiquei encantado.

Foi pois na Escola de Santo António da Parede que completei o meu 2.º e 3.º ciclo. E como só as coisas boas ou más nos ficam na memória, desses tempos recordo e gosto de recordar o meu 9.º ano, o melhor de todos os meus anos escolares. Recordo com entusiasmo e encanto o clube de jornalismo e o jornal que ali preparávamos - chamava-se "Em primeira mão" - com total dedicação e empenho. Guardo os primeiros exemplares com especial carinho e fazem-me recordar os primeiros números feitos com colagem e fotocopiados em A4 e agrafados. E depois vendidos à porta da escola, no último tempo, aproveitando os pais que esperavam os filhos. Sentiamo-nos autênticos ardinas! Veio depois a inovação e o jornal começou então a ser todo feito em computador - recordo até o nome do programa, chamava-se PageMaker - também fotocopiado mas agora em A3 e devidamente dobrado para que assumisse o tamanho habitual. Dirigiam o projecto do jornal escolar nesse tempo as professoras Arlete e Emília (salvo erro de memória). E recordo também o concurso de máscaras apresentado pelas minhas colegas Marta, Sónia e eu próprio. E recordo ainda a peça de teatro "Salada Teatral" que apresentámos por duas vezes no final do ano lectivo e encenada por um senhor do qual não me recordo o nome (será Touché!?). Primeiro no anfiteatro e depois no refeitório, numa apresentação mais direccionada para os pais e, por conseguinte, mais importante. Recordo como o nosso empenhamento colectivo foi muito bom. Também recordo os projectos de Área-Escola, nomeadamente o projecto do meu 7.º ano sobre o surf. E recordo tantos outros episódios que gosto de recordar e contar. Haverão certamente por aí fotografias destes tempos que eu gostava de ver pois nunca tive essa oportunidade.

É natural a divergência de percursos de vida. E hoje muito poucas pessoas desse tempo fazem parte da minha vida. Sempre achei que era importante haver um esforço no sentido de mantermos um contacto ao longo do tempo porque sempre achei que esse - o 9.º ano - foi um ano especial. Por outro lado, também sempre achei que haver uma espécie de associação de antigos alunos transmitia aos novos alunos um sentido de continuidade ao projecto educativo, numa lógica de passado, presente e futuro mas, e sobretudo, numa lógica de que o futuro depende daquilo que fizermos com o presente. Sempre achei tudo isso mas nunca tive coragem para dar o primeiro passo. Porque eu também segui o meu caminho. Hoje sou um universitário que estuda biologia e história das ciências (em pausa pedagógico pois há momento em que temos de saber parar para reajustar as nossas prioridades e ganhar folego para o enquanto houver estrada para andar. E os meus amigos desse tempo são agora advogados, professores, engenheiros e outras coisas mais porque o mundo também não é feito somente de doutores e engenheiros. E ainda bem que não!

O encontro imediato com a Professora Gabriela foi para mim importante. E foi importante porque me fez recordar esses tempos absolutamente fantásticos. E como escreveu Gabriel García Marquez, «a vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la.» É por isso que tive a ideia de vos propor a minha colaboração. Creio que facilmente convenço os meus colegas desse tempo também a colaborar. E esta é uma ideia simples que pode passar pela edição interna de contos de antigos alunos, focando os seus percursos académicos e profissionais, ou então uma colaboração com o jornal escolar, se é que ainda existe. Ou uma outra ideia qualquer que possam ter e que tenha como fio condutor a ligação forte e construtiva e colorida que podemos criar entre a escola e os jovens, no espaço e no tempo. É certo que não somos estrelas de telenovelas e por isso esta nossa contribuição é honesta, sincera e humilde.

Nunca mais fui a essa escola. Costuma-se dizer que não se volta aos sítios onde fomos felizes. Mas talvez esta seja uma boa oportunidade para voltar. Para voltarmos. Talvez. Quer dizer. Se vocês quiserem. Estou então ao vosso inteiro dispor.

Saúde e fraternidade,
Ricardo S. Reis dos Santos»


Se por um lado dantes escreviamos uma carte e não ficávamos com uma cópia, hoje em dia temos uma pasta com todos os e-mails enviados. E se é bom porque mantemos um arquivo da correspondência, também é mau quando os ítens enviados acumulam dezenas de e-mails sem resposta. Pois. Se no passado uma carta com direito a resposta demorava no mínimo uma semana, não se percebe porque é que, agora, na era da informática em que em segundos temos o mundo na ponta dos dedos demoramos o dobro ou o triplo. Há, à partida, uma explicação possível. O famigerado falta de tempo. Ou o excesso de correspondência. Ou apenas a falta de apetite. Ou ainda, pior, a indiferença. Sejam quais forem as desculpas, o que é certo é que chegamos a um ponto em que parecemos que vivemos num mundo de palavras perdidas. Tudo isto é exponenciado ao ridículo quando encontramos a pessoa que recebeu o nosso e-mail há umas boas dúzias de semanas e nos diz, com a maior das latas mas com total descontracção: vi o seu e-mail mas ainda não respondi. Pois ainda bem que viu. Valha-nos ao menos isso.

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