quinta-feira, novembro 10, 2005

MANIFESTO: Eu também não me resigno

Eu nasci em 1980. Sou por isso neto do 25 de Abril de 1974. Conheço duas versões dessa revolução – uma versão oficial e uma versão real. A versão oficial aprendi nos livros e nos cânticos que se entoam todos os anos nas comemorações do 25 de Abril. A outra, a versão real, é composta apenas fragmentos de histórias de gente que apesar de ter gritado bem alto «viva a liberdade» não deixam de transparecer nos seus rostos alguma ambivalência, como se algo tivesse falhado. Essa versão real inclui unicamente a história da minha família que vivia nesses tempos em Lourenço Marques (actual Maputo) e uma confissão de uma professora de Português do liceu. Foi em África que os meus pais se conheceram e se casaram. Foi lá que os meus irmãos nasceram. Foi lá que eles iniciaram o seu caminho. Caminho esse que viria a ser interrompido aquando da revolução dos cravos. A 24 de Dezembro de 1975 chegam ao porto de Lisboa naquela que seria a última viagem do navio D. Afonso Henriques. E também o último passo do caminho que eles iniciaram em terras africanas e que pensavam ser para sempre. E sobretudo prontos a iniciar um novo caminho. Ao qual cinco anos depois viria a fazer parte. E depois a confissão. Já no liceu, uma professora de Português me confessara, em tom de desabafo, o seguinte: «Ricardo, nunca se esqueça disto que lhe vou dizer. O 25 de Abril começou por ser uma tentativa de os capitães ganharem mais. Uma espécie de greve sem o ser. Nunca eles pensaram que o governo iria cair.» De referir que o marido desta professora era, na altura, capitão. É certo que isto vale o que vale mas esta versão real deixou-me sempre desconfiado sobre o sucesso de uma revolução cujo principal mote era a conquista da liberdade. Sendo eu um neto do 25 de Abril obviamente que não vivi sob o tempo da ditadura. Não tenho culpa disso. E por mais que tente compreender o pesadelo desses tempos, eu não vivi esses tempos e por isso não os posso usar como termo de comparação nem muito menos como atenuador da situação que vivemos hoje em dia. O 25 de Abril foi bom. Julgo que tantos os filhos como os netos do 25 de Abril já o perceberam. E por isso: muito obrigado camaradas. Mas e depois? Sim, e depois? E depois pronto. Andamos aqui perdidos, exaustos e tristes sem sabermos muito bem por onde ir e quem devemos seguir. Pior. Vivemos agora uma espécie de tabu em que se alguém não adorar o feito histórico dos capitães de Abril em toda a sua plenitude, das duas uma: ou é fascista ou é fascista. Pois. Não há forma de escapar. E o pior cego é aquele que não quer ver. Ver um mundo em profunda transformação que nos exige muito mais daquilo que alguma vez fomos capazes de dar. Ver um mundo que nos obriga a tomar decisões e a optar por caminhos que prevemos difíceis mas que sabemos serem inevitáveis. Ver um mundo que não é de forma alguma um paraíso mas que é o único que temos e é com isso que temos de viver. Em teoria tudo isto faz sentido. Muito sentido mesmo. Mas não chega. Todos os dias sentimos na pele que isso não chega. É preciso mais. É preciso muito mais. É preciso acima de tudo confiança. Nestes tempos conturbados e de crises sociais e económicas sucessivas, o maior contributo que podemos dar é um motivo de esperança. Por nós. Pelas nossas crianças. Pela nossa gente. Por Portugal. Nunca antes esse motivo de esperança foi tão forte. Nunca esse motivo de esperança foi tão desejado. Na minha opinião, a pessoa que melhor posicionada está para nos dar esse motivo de esperança é o Professor Aníbal Cavaco Silva. É a minha escolha. Livre. Porque eu também não me resigno.

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