segunda-feira, janeiro 12, 2009

UMA REFLEXÃO SOBRE TUDO ISTO

«Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele.»
- Jorge de Sena


Refira-se, a título de exemplo, o “campeonato de notoriedade na TV”, publicado pela SÁBADO, referente ao período de 29 de Dezembro a 4 de Janeiro. A lista é liderada pelo Presidente da República Cavaco Silva. Seguem-se depois Quique Flores, Vitalino Canas, Jesualdo Ferreira, Paulo Bento, João Jardim, José Sócrates, Cristiano Ronaldo, Ana Jorge e António Costa. Fazendo as contas, temos então nesta lista seis pessoas ligadas à política e quatro ligadas ao futebol. Política e futebol dominam assim esse tal “campeonato”. A primeira é cada vez mais odiada pelos portugueses. A segunda é a sua grande paixão que lhes injecta uma espécie de optimismo sintético. Daqui resulta que no palco mediático se desenrola desde há muito uma trágico-comédia. Na verdade, Portugal não passa disso mesmo. Uma reles deambulação entre a neurose maníaca de um jogo de futebol e a neurose deprimente de uma eleição, um debate ou um discurso político qualquer. Nesse sentido, Portugal é bipolar. Contudo, embora grande parte dos portugueses se abstenha do voto, não são capazes de se abster do comentário e do insulto. E por isso esta bipolaridade se tornou num modo de vida. Umas vezes tudo está mal, outras vezes tudo está bem. Os portugueses precisam disso. Aliás, a sua pequenez vem precisamente desta bipolaridade. Como dizia José Gil, «os portugueses gostam de ser pequeninos». É interessante o filósofo ter usado aqui o verbo gostar. Nesse sentido, os portugueses têm prazer em ser pequeninos. É quase como uma condição de satisfação. Por conseguinte, não sentem qualquer prazer na sua negação. E por isso simplesmente não negam. Conformam-se. O regime de sentido colectivo dos portugueses é então um regime de pequenez. É claro que isto tem história. E toda a gente a conhece. Não é por acaso que o título de “o maior português de sempre” (pese embora a sua irrelevância histórica) foi atribuído a Salazar. Vivemos hoje com um certo imprinting desses tempos. Mas esse imprinting torna-se mais evidente no poder político, onde se denota uma certa tendência para uma nova síntese de autoritarismo. E um autoritarismo que surge por reacção à generalização da democracia. Eu concordo em absoluto com José Gil quando este diz que Sócrates tem um projecto de carreira pessoal, mas um projecto absolutamente provinciano, na exacta medida da tal pequenez de que falávamos há pouco. E isto é muito perigoso porque surge como anódino e frívolo. José Sócrates é, do ponto de vista político, um homem muito perigoso. É que ele faz com que nada se pareça passar quando, na verdade, tudo se passa. Nalguns aspectos este governo governa “à Salazar”, em grande parte porque é um modo de governação eficaz. E toma vantagem exactamente a partir desse “nada se parece passar” para ir tecendo a sua malha. E entretanto lá surge o “engenheiro” nas varandas da vaidade prometendo que nos vai salvar de tudo, da mesma forma que noutros tempos surgia o “professor”, também de fato cinzento, exactamente no mesmo estilo discursivo. E o povo, que é uma espécie de povo-rebanho, ouve e cala. Sócrates surge então no topo das sondagens. E no entanto, tomando o pulso a esse mesmo povo no seu dia-a-dia, todos atiram pedras. O que nos falta em coragem sobra-nos em hipocrisia. A perigosidade de Sócrates vem precisamente deste aspecto. O seu discurso é escatológico mas aqui o discurso é irrelevante. É com a personagem que os portugueses se identificam. E uma identificação, como dizia José Gil, que é pessoal. Quer dizer, o senhor professor, o senhor engenheiro, o senhor doutor, surgem aqui como referências pastorais, como aqueles que sabem em exclusivo e no absoluto o que é o melhor para a gente. Eles é que sabem. Um pouco como o padre da aldeia de outros tempos. Uma amiga minha dizia-me que Sócrates é perfeito na retórica porque prende-nos à forma e abstrai-nos do conteúdo. Nesse sentido, Sócrates é eficaz. E essa eficácia pode ser medida, por exemplo, pela quantidade de Magalhães comprados. O deslumbramento com a máquina é provinciano mas é quase impossível fugir àquilo que realmente somos e gostamos de ser. Portugal é assim e vai ser sempre assim. E é precisamente por esta razão que nós todos é que precisamos que nos salvem dele.

1 comentário:

LUIS BARATA disse...

Nessa vertente comunicativa, Sócrates é um génio.