quarta-feira, abril 09, 2008

SNAPSHOTS DO QUOTIDIANO (I)

No comboio da linha de Cascais, numa promessa de dia primaveril, nos dois lugares imediatamente atrás de mim

QUANDO SE PÕE MUITA FORÇA NA LÍNGUA

Um casal de jovens, entre os 14-15 anos.
Percebe-se que são namorados. Ele, com a cara cheia de borbulhas como sinal de que a sua maturação sexual está no bom caminho. Ela, com aquele estilo de miúda cool e urbana e, claro está, com o telemóvel na mão sempre numa frenética actividade de “teclagem”. Conversam. «O meu namoro mais curto durou 5 meses», diz ela. «O mais longo foi aí um ano e tal», acrescentou. Ele faz um ar de admiração para depois dizer, «eu nunca namorei com ninguém mais do que 3 meses». Logo a seguir beijam-se. E voltam a beijar-se. Ela olha mais uma vez para o telemóvel e diz, «então não vais gostar de mim». Por esta resposta percebe-se que começaram o “namoro” há muito pouco tempo. Talvez dias. Talvez horas. E depois ele insiste no seu passado, como se fosse uma marca de qualidade. Pela quantidade. «Olha, uma vez curti com a Inês.» Ela desvia momentaneamente os olhos do telemóvel e fixa-o. «A Inês?» Adivinha-se uma cena de ciúmes. Mas não. Diz, «Ah! E ela beija bem?» É claro que ele responde como quem já domina a arte do beijo há milhares de anos e diz: «Mais ou menos. Põe muita força na língua. E, além disso, começa logo a ficar toda entusiasmada e nervosa. É bué esquisito.» O miúdo auto-denuncia a sua inexperiência. Apeteceu-me explicar-lhe. Contive-me. Tem muito tempo na sua vida para perceber porque é que as miúdas ficam «entusiasmadas e nervosas» quando as beijamos. Embora inexperiente tem sentido de oportunidade. Aproveita a ocasião para beijá-la como que a provar que ele é que percebe daquilo. Passamos Caxias. Ela agora começa a falar sobre os problemas que tem em casa, sobretudo com o pai. Diz que ele lhe bate. E até conta que uma vez se cortou e, por causa disso, levou uma tareia. «E já pensaste em fugir de casa?», pergunta-lhe ele. Ela diz logo que não, que se o fizesse apanhava um tareão do pai. O quadro fica pintado. Aquela filha é muito provavelmente uma adolescente difícil para os pais que, talvez acreditem, esperam que esta idade passe. E depressa. Ele tenta expandir a conversa e diz que nunca se cortou mas ela dá-lhe um grito para ele parar de dizer aquelas coisas. Calam-se. Beijam-se. E voltam a beijar-se. Chegados a Paço d’Arcos debandam-se para os seus destinos. Para as suas vidas.

NEM TUDO O QUE PARECE É

Sentam-se duas jovens universitárias, entre os 17-18 anos.
Conversam.
A: Há gente que parece muito simpática e nas praxes são sempre muito simpáticos connosco mas depois nunca mais ninguém os vê. Tirando os padrinhos, é claro.
B: Pois, e há outras que parecem uma coisa mas depois são outra.
A: Sim, sim, olha, a Bárbara, por exemplo.
B: Ah, a Bárbara! Não posso com ela. É horrível.
A: Sim, mas depois de meteres conversa com ela, vês que ela é um amor.
B: Sim, uma querida. Muito querida a Bárbara.
A: Mas depois há outras pessoas que eu não suporto.
B: E o problema é que quando eu não gosto de uma pessoa, não gosto. Eh pá, não sei. É uma coisa minha. Mas normalmente acerto no que tiro das pessoas.
A: Há uns que eu não consigo perceber. Ainda não percebi o que é que o J. está lá a fazer, por exemplo.
B: Nem eu. Não percebo.
Saem em Oeiras. E eu também.

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