quinta-feira, fevereiro 14, 2008

DIA DOS NAMORADOS (I)

Eu sabia que aquele dia ia ser diferente. De manhã, enquanto me lavava e vestia e perfumava, as minhas mãos tremiam, a minha boca secava, o meu coração palpitava. O dia ia mesmo ser diferente. Cheirava já a Primavera. As árvores começavam a vestir-se de cores lindas, os pássaros cantavam como se não houvesse amanhã, o sol brilhava apaziguadoramente, como que a lembrar-nos que a seguir a tempos de guerra seguem-se sempre tempos de paz. E ele ali estava como prova. Imponente. Brilhante. Insistente na sua existência. Era a Primavera em todo o seu esplendor.

Quando a vi, logo pela manhã, o meu corpo foi invadido por uma série de reacções incontroláveis. Daquelas banais mas que na altura não sabemos o que nos está a acontecer. Até porque quem ama não sabe nada. E, pior, não quer saber nada. Estranhamente à minha natureza, naquele momento não senti qualquer vontade de fugir. E ela também não. A troca de olhares foi, digamos assim, o nosso princípio. E o dia estava ainda agora a começar. Quando me aproximei dela senti uma vontade enorme de a tocar. Sem perceber porquê nem como, demos as mãos. Sentámo-nos num banco de pau de havia por perto e ficámos ali sentados, de mãos dadas, aí uma boa meia hora. A seguir ela roubou-me um beijo. E eu roubei-lhe outro. E assim ficámos o resto dia, roubando um ao outro aquilo que cada um tinha de melhor. Tínhamos 14 anos. E esta foi, seguramente, uma das sete vezes em que já fui feliz em toda a minha vida. Aliás, o primeiro amor, não aquele que se sonha mas sim aquele que se vive, que se experimenta, que se testa, só pode ser um momento de felicidade. Mas, como dizia, tínhamos 14 anos. Hoje, tudo isto parece uma brincadeira de criança. Daquelas ridículas e parvas. Hoje, sentimo-nos muito mais maduros, muito mais prontos a amar verdadeiramente, sem todas aquelas mariquices dos beijinhos, das mãozinhas, dos bilhetinhos, dos dias dos namorados. Hoje, julgamos saber tudo sobre o amor e ainda conservamos dentro de nós a esperança de um dia virmos a ser felizes para sempre. E um para sempre cheio de glória, é claro. Hoje, sabemos tudo isto e muito mais. Mas que importa tudo isto se deixámos de dar as mãos? E de roubar beijos? Saberemos nós, hoje, amar mais aquilo que é desejado do que o desejo? E conseguiremos? E queremos? Bem sei que a vida é difícil e que deviam ter-nos avisado que ser adulto é uma coisa muito complicada. Mas será que isso é motivo para desistirmos? Para desistires, Ricardo? Pensa. Mas apenas o suficiente para poderes sentir. Porque é no sentir que nos descobrimos. Só depois de nos descobrirmos é que estamos prontos para o amor do outro. Só depois.

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