sábado, dezembro 29, 2007

O REINO E O PODER E A GLÓRIA PARA SEMPRE

Claro que não é por entrarmos em 2008 que vamos ser finalmente felizes para sempre, pela simples razão de que a felicidade para sempre não existe. Não se trata aqui de nenhuma questão morosa de ordem filosófica, nem por sombras: é uma pedestre questão de ordem prática. Nada do que se passa connosco é para sempre. Se não acontecer mais nada, então acontece, inevitavelmente, que nós morremos. Há quem acredite na vida depois da morte, há quem não acredite, mas no que toca ao “para sempre” os argumentos vão todos dar ao mesmo: a morte implica uma alteração radical de estado físico e psíquico, e ninguém sabe o que é que acontece a seguir. Se calhar até se é feliz para sempre no Além. Mas essa não será, certamente, uma felicidade cortada pelos moldes que conhecemos no tempo que temos de vida.

Deveria bastar lembrarmo-nos da morte para não levarmos a vida tão a sério, não a carregarmos aos ombros como um fardo, não nos deixarmos ferir e macerar pelo passado até ao fim dos nossos dias, não nos angustiarmos permanentemente com o futuro, sabermos em cada instante saborear o presente com toda a abertura e todo o carinho que ele nos merece. Com toda a pressão que a moderna sociedade de consumo imoderado põe em cima de nós, da sua exigência a acumularmos tantos bens de consumo que nos perdemos dentre deles à obrigação que nos é imposta de não envelhecermos nunca e nos apresentarmos sempre ao mundo bronzeados, sorridentes, vencedores – com toda a carga de mensagens urgentes que nos bombardeiam o dia a dia vamos esquecendo tudo o que houve de belo e intemporal no nosso passado, ao mesmo tempo que nos roemos de angústia a tentar conceber um futuro que nos é, física e materialmente, inalcançável. A felicidade para sempre é um conto de fadas. Mas a felicidade do momento presente não podia ser mais real.

E se nos libertássemos do passado? E se deixássemos o futuro entregue a si próprio? E se aprendêssemos a viver o presente em toda a sua plenitude, sem imposições nem chantagens, sem perguntas nem respostas? E se respirássemos fundo e o tempo, agora mesmo, fosse só nosso? Ou seja – e se aprendêssemos a viver num minuto a felicidade para sempre que esse minuto contém? Será que é mesmo preciso acrescentar-lhe mais alguma coisa? O presente pode ser muito belo. Vivê-lo com alegria está ao nosso alcance, naquela espera privilegiada de bens incomensuráveis que não poderão nunca ser vendidos nem comprados.

Clara Pinto Correia

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