quinta-feira, setembro 06, 2007

A VIDA É SEMPRE A PERDER

Alguns dirão que é a vida. Outros dirão que é a vida mas aliviados por ainda não ter chegado a sua vez. Outros dirão ainda que é a vida mas angustiam-se porque tudo aquilo é uma espécie de ensaio para a sua própria vez. Curiosamente, poucos dizem que é a morte. Em estado puro. Bem à nossa frente a morte mostra-se universal e global e implacável. Quando ela vem ninguém consegue manter o corpo quente. Por isso a morte é fria, escura, feia e demente. Nunca tem culpa. A morte é psicopata. Quando os velhos morrem, é a vida. Quando os novos morrem, é a desgraça. Na morte, como na vida, acontece o pior dos piores e o melhor dos melhores. Na morte, como na vida, uns têm tudo e outros têm nada, uns são tudo e outros são nada. Poderia escrever páginas e páginas sobre a morte. E certamente, mais cedo ou mais tarde, hei-de fazê-lo. Mas interessa-me agora lamentar essa dimensão da morte que é o vazio da perda.

É verdade, talvez a única absoluta, que o tempo vai passando. Às vezes connosco outras vezes sem nós. A gente lá vai caminhando, uns o caminho mais percorrido, outros o caminho menos percorrido. Em todos os casos, temos vistas curtas em relação à vida. Talvez seja por isso que suportamos, sem grande esforço, o que de pior ela nos vai mostrando. Mas há um momento em que a nossa miopia se desvanece perante a nossa existência. É nessa altura que nos apercebemos que a vida é como uma doença. É nessa altura que nos apercebemos que o vazio da perda é já um vazio cheio de gente. Olhamos para trás e o que vemos são corpos tombados e pequeníssimas gotículas de memória a entranhar-nos a pele das nossas recordações. É então que a saudade se densifica. Hoje, sinto o ferro quente a queimar-me na pele essa espécie de loucura que é, afinal, um punhado de palavras iluminadas a neón no caminho da nossa vida dizendo-nos que «a vida é sempre a perder».

Fernando Gil, que me fazia pensar;
Eduardo Prado Coelho, que eu gostava de ler;
Luciano Pavarotti, que eu gostava de ouvir;
José Martins dos Santos, meu pai, que fez de mim quem sou.

Sim, é mesmo isso, a vida é sempre a perder. O paradoxo é este. O vazio vai-se enchendo e, por isso, precisamente por isso, vai ficando cada vez mais vazio. E sim, é a vida mas só enquanto houver estrada para andar. Depois disso, é a morte.

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