quinta-feira, março 29, 2007

DOIS ANOS DEPOIS, MAIS DO MESMO: UM GOVERNO DA TRETA NUM PAÍS DA TRETA

(Imagem retirada do sítio do Governo, http://www.portugal.gov.pt)


Quanto a mim, o único balanço possível é o seguinte: dois anos de «mais do mesmo». O que mudou foi pouco mais que o nada. Aliás, foi precisamente o que vem a seguir ao nada. Admito que este balanço pareça contra-intuitivo perante a intuição condicionada pela máquina propagandística do regime que faz com que tudo o que parece é. A popularidade de Sócrates (não sei se ficcionada ou real) só pode ser justificada por esse condicionamento. Em bom rigor ele [o condicionamento] é mais eficaz na comunicação social do que propriamente nos contribuintes (veja-se a sistemática mediatização da vida e da imagem de Sócrates, a meio passo da comercialização de canecas com o seu sorriso) embora as múltiplas manifestações sejam apenas para inglês ver. A eficácia [das manifestações] é nula mas apenas porque os objectivos não existem. Manifesta-se porque sim e, nalguns casos, senão em todos, porque os sindicatos mandam. A verdade é que a ligação entre a sociedade civil e a política há muito que se quebrou, se é que alguma vez existiu. Isto significa que este país que conhecemos hoje é o país do faz de conta. O nosso quotidiano é uma espécie de dualidade entre o futebol e a política (basta para isso ver os barómetros das notícias ou então, mais simples, ver os telejornais) o que faz com que o nosso quotidiano seja pois uma utopia a que facilmente aderimos mas apenas por nunca termos conseguido livrar-nos do sebastianismo. Não são propriamente os sete motoristas de Sócrates nem tão pouco as suas 15 secretárias que me chocam. O que me choca é que com as câmaras desligadas, os gravadores arrumados e as canetas tapadas, o país real é bem diferente daquele que nos querem fazer parecer que seja. A verdade nunca nos é contada o que faz com que a única relação possível entre política e sociedade civil seja uma infantilidade. E a esquizofrenia está tão entranhada que se acha normal que ao almoço o país seja uma coisa e ao jantar outra. Isto vem a propósito de um programa - Prós & Contras - sobre o Estado da Nação em que o fiscalista Medina Carreira alertava para o risco de falência do Estado mesmo antes de 2015. Perante este cenário, um dos intervenientes, o economista optimista Lopes da Silva, negava veemente tal dramatismo, ao que Medina Carreira respondeu dizendo: «ao almoço o senhor professor costuma concordar comigo». Este é o mecanismo. E é precisamente aqui que está a infantilidade da relação entre a política e a sociedade civil. Mentir é feio mas há mentiras que são precisas para isto funcionar. Não é o que fazemos com as crianças? O que faz com que apenas meia dúzia de pessoas é que realmente sabe onde é que isto vai parar. Precisamente as mesmas que se sentam para almoçar e, muito provavelmente, lamentar a desgraça mas que, à noite, nos programas de televisão e nos telejornais dizem estarmos no caminho certo para a felicidade colectiva. Ora isto são tretas que apenas são eficazes porque a maioria dos contribuintes são ou analfabetos ou estúpidos, senão as duas coisas. Se quisermos encontrar uma boa definição, embora grosseira, «um país da treta» seria uma boa proposta. O problema é grave. E é grave sobretudo porque ainda não percebemos que a primeira coisa a fazer na sua resolução é parar de escavar o buraco. Neste particular os partidos políticos são excelentes coveiros. Mas é uma coisa estranha, bizarra até, porque são eles que cavam mas, ao mesmo tempo, não estão dentro do buraco e, pior, olham-nos lá de cima dizendo que um dia vamos todos ser felizes. Só basta aguentar mais um bocadinho. E nós acreditamos porque lhes devemos respeito (o tal respeitinho). A única coisa que vemos é o céu e esse ainda é mais mentiroso. Digamos que vivemos numa espécie de alegoria da caverna. Neste aspecto não estamos muito melhor depois de Salazar. É então perante este cenário desastroso que nos serve de pano de fundo que devemos fazer o balanço dos dois anos de governação de Sócrates. E, perante isto, a única conclusão possível é que este é, também e para nossa desgraça, um governo da treta. Enquanto não olharem para o país real, pobre, estragado, desigual, excluído, sujo, deprimido, não com os binóculos da ideologia mas com a lupa da verdade, lamento imenso mas estamos condenados. E é triste porque não devia ser verdade, não devia ser assim. Mas é.

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