terça-feira, fevereiro 13, 2007

REVISTA DE IMPRENSA & NOTAS AVULSAS (II)


Na "entrevistas imprevistas" do semanário SOL de 9 de Fevereiro de 2007, Inês Pedrosa, a entrevistada, activa alguns pontos de interesse para discussão. Seleccionei dois deles sobre os quais me interessa falar:

1. Quando lhe perguntam se «Cavaco é ignorante em termos culturais», Inês Pedrosa responde que «não é alguém que se mova no mundo da Cultura e da Arte», e acrescenta que «gostaria de ter um Presidente que, em Goa, fizesse questão de falar de Vasco da Gama e da descoberta do caminho marítimo para a Índia, e que levasse alguns intelectuais na comitiva». Bom, eu oiço isto e vou aos arames. Primeiro porque, baseado sei lá em que conceito de Cultura e de Arte, há esta ideia (qual verdade absoluta) que Cavaco Silva é uma pessoa inculta. Segundo porque acho um autêntico disparate essa obsessão de falar sobre as velhas (e inúteis) conquistas do Portugal de quinhentos. É pura presunção (e, já agora, utopia) achar-se que a Índia deve reverência a Portugal. Quer dizer. A "descoberta" da Índia constituiu sobretudo uma oportunidade de negócio para os portugueses. Não faz sentido nenhum agora armar-nos em "descobridores do mundo" e ir-mos para um país independente e autónomo reviver os fantasmas do passado. O que é que pretendem? Que os indianos carreguem sobre os ombros os portugueses porque foram estes que os "descobriram"? Ora bolas! Então esta gente queria que, numa viagem presidencial com objectivos estratégicos bem definidos, o nosso chefe de Estado fosse dar lições de cultura colonialista a países absolutamente independentes? Haja algum pudor. Isto não significa que considere a história dos descobrimentos irrelevante. Antes pelo contrário. Eu só acho é que ela devia servir para reflectirmos, cá dentro e não lá fora, sobre os erros de estratégia do passado e, sobretudo, sobre o que somos hoje e o que queremos ser amanhã. Viver no passado, pior, pelo passado, não pode nunca dar bom resultado. Terceiro porque ponho-me sempre a tentar adivinhar a que intelectuais se referem aqueles que dizem que o Presidente deveria levar alguns na comitiva. Mas ainda existem intelectuais neste país, além daqueles autodenominados intelectuais dos partidos políticos e dos grupos de interesse? É uma pergunta interessante (aceito a acusação de presunção por achar uma pergunta minha interessante). Finalmente, também devo dizer que não compreendo esse desejo quase reverencial de querer um Presidente que saiba o número de cantos d'Os Lusíadas! Mas quem é que sabe? E para quê? Serão incultos todos aqueles que o não sabem? Convenhamos. Cultura é saber o número de cantos d'Os Lusíadas? Ou antes saber do que nos fala os não sei quantos cantos? Vivemos pois num tempo de cultura superficial em que o que interessa é parecer. Mas como se costuma dizer, nem tudo o que parece é. Por outro lado, partir-se do princípio que a intelectualidade é coisa das Letras é um preconceito muito pouco inteligente.

2. Quando o jornalista lhe pergunta se «um fellatio presidencial em Portugal teria o impacto que teve nos EUA», Inês Pedrosa responde que não, que «essa é uma das vantagens dos países sonsos», que «não somos um país de voyeurs» e que «somos um país de suaves e caladitos praticantes do pecado». Concordo com quase tudo, excepto com a parte de que não somos um país de voyeurs. Mas haverá país mais dedicado à expiação dos pecados dos outros que o nosso?! Veja-se o que acontece quando há um acidente qualquer com feridos (qual romaria a Fátima) e as histórias que imediatamente se inventam e se passam de boca em boca. Ou então basta ligar as televisões nas manhãs dos dias da semana ou ler a imprensa "cor-de-rosa" ou ouvir as conversas entre vizinhos. Na minha opinião, somos fundamentalmente um país de voyeurs. Espreitamos a vida dos outros para termos a certeza que não é melhor do que a nossa. E por isso nos centramos nas desgraças, sobretudo nas desgraças dos outros. Por outro lado, um país em que se toma por verdade o "ouvi dizer que" (basta para isso abrir os jornais) não é manifestamente um país de voyeurs? Olhem que sim, olhem que sim…

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