segunda-feira, fevereiro 12, 2007

OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS

e aqui por baixo esta gente também. Vejamos. Na edição do SOL de 3 de Fevereiro de 2007, Assunção Cabral escreveu um texto que não agradou em nada os zoófilos. Sobretudo porque dizia que não gostava de gatos. Durante a semana passada, recebi alguns e-mails alertando-me para tal facto e pedindo uma mobilização militante para uma reacção intensa a tal blasfémia. Perdi logo a simpatia por tal ideia. Sobretudo pelo tom da convocatória que pedia uma mobilização contra a «cabra» que não gosta de gatos. É claro que não gostei do que Assunção Cabral escreveu mas a reacção por parte dos leitores "militantes" ultrapassou todos os limites do bom senso e do bom gosto. Com dúzias de pedras na mão, cuspiam raivosamente a sua indignação perante uma criatura que não gosta de gatos. Quer dizer. Agora é crime dizer que não se gosta de gatos? E por isso deve ser insultada e vaiada? Parece-me, no mínimo, despropositado. Mas foi precisamente isso que acabou por acontecer. No jornal 24 Horas de hoje, Clara Pinto Correia, na sua crónica «No Fio da Navalha», escreve em jeito de resposta a Assunção Cabral. Passando ao lado de expressões como «alarve», «atitudes idiotas», «sopeira paga à peça», «esgatanhar a cabra toda», que, espero, não tenha passado duma manifestação involuntária de uma crise de maus fígados, o que mais me incomoda é a incongruência de fundo. É que pôr em causa a seriedade de um jornal e sugerir um boicote de quiosque por causa disto é demais. Sobretudo quando é feito a partir de um jornal como o 24 Horas. Mas por detrás de toda esta sensação e de toda esta polémica, há uma coisa que interessa falar: o preconceito dos zoófilos acharem que toda a gente gosta de animais da mesma forma que eles gostam. Eu próprio, que andei muitos anos nesta coisa dos "direitos dos animais" e que limpei muita merda de cão e de gato, não acho piada nenhuma quando alguém permite que o seu cão salte para mim e me suje. É pura e simplesmente uma questão de respeito. Partir do princípio que só as pessoas que se deixam sujar é que "gostam" de animais é de uma arrogância e de uma falta de respeito tremendas. A própria situação descrita por Assunção Cabral na sua crónica é, de facto, uma situação social complicada. As possibilidades são imensas e ficam ao critério de cada um. O que eu posso dizer é que nunca me passaria pela cabeça por uma placa à porta de minha casa dizendo que só entra quem "gosta" de animais e está sujeito a sair de lá cheio de pêlos. E o que muita gente faz é precisamente isso. Aliás, em muitos casos põe precisamente essa placa à porta da sua vida, funcionando como uma espécie de pré-requisito para uma relação de amizade ou algo mais. Ou então parte-se do princípio presunçoso que toda a gente gosta de animais. Eu acho tudo isto muito grave. Sobretudo porque esse "gostar de animais" deriva, em grande parte, de uma falsidade. Quer dizer. É um gostar antropocentrizado, isto é, única e exclusivamente na perspectiva dos humanos e daquilo que eles acham que é o melhor para os (outros) animais. Isto é particularmente verdade para a maior parte das associações de protecção dos direitos dos animais que à partida são insuspeitas quanto a esse "gostar de animais" mas que, na prática, são os primeiros a ferir gravemente o bem-estar desses animais (e olhem que sei do que falo). Mas que diabo, só por egoismo especista se pode partir do princípio que o melhor para os cães e para os gatos é estarem fechados dentro de uma casa, castrados, vestidos, penteados, maquilhados, a abanar a cauda ou a ronronar sempre que os "donos" (já por si uma qualificação curiosa) chegam a casa cansados, exaustos, deprimidos, tristes. Ou então fechados dentro de um carro, dum lado para o outro, não sei quantas horas por dia, ou amarrados à perna da mesa da secretária do dono quando a dogsitter, por qualquer razão, faltou. Mas esta semana, Assunção Cabral resignou-se e pediu desculpa pela falta de etiqueta da sua crónica de há oito dias. Eu agradeço que o tenha feito. Demonstrou ter bom senso. Porque foi, de facto, uma grande falta de etiqueta. Isto se tivermos em conta que por "etiqueta" se entende termos todos que andar aos beijos aos animais e ainda ter que dormir na mesma cama com eles. Pobres animais!

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