segunda-feira, janeiro 22, 2007

METER A FOICE EM SEARA ALHEIA

No dia 15 de Outubro de 1921, saía do prelo para a primeira luz da madrugada o número 1 da revista de doutrina e crítica Seara Nova reunindo um vasto grupo de intelectuais como António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Câmara Reis, Augusto Casimiro, Raul Proença, entre outros. Do editorial lê-se: «A Seara Nova representa o esforço de alguns intelectuais, alheados dos partidos políticos, mas não da vida política, para que se erga, acima do miserável circo onde se debatem os interesses inconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas, uma atmosfera mais pura em que se faça ouvir o protesto das mais altivas consciências e em que se formulem e imponham, por uma propaganda larga e profunda, as reformas necessárias à vida racional.» Hoje, passados 86 anos, a Seara Nova ainda é publicada quatro vezes por ano mas sem o impacto e a influência das suas edições entre a década de 20 e a década de 60. O que aconteceu, desde então, ao ideal searense? Terá caído em desuso? Bom, na minha opinião, o ideal não caiu em desuso porque o pano de fundo também não mudou substancialmente (também hoje predomina o «miserável circo onde se debatem interesses inconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas»). O que mudou foi sobretudo a extinção dos intelectuais seareiros. E porque se extinguiram estes intelectuais? A verdade é que os seus herdeiros, legítimos e ilegítimos, deixaram-se corromper precisamente da mesma forma que uma parte dos intelectuais dos anos 20 também estava corrompida. Aliás, foi precisamente esse o motivo pelo qual surgiu a Seara Nova, ou seja, como representante do «esforço de alguns intelectuais» racionalistas, nas suas formas mais ou menos puras, empenhados numa reforma das elites e na construção de uma atmosfera mais pura. O que aconteceu a seguir é que os tais herdeiros passaram a fazer parte dos partidos políticos criando um vazio intelectual. Digamos que passaram para o lado de lá. Pois do lado de lá o dinheiro escoa como nunca escoou do lado de cá. A consequência é esta. Tornámo-nos num país sem vida intelectual (ver aqui o excelente e oportuno e claríssimo artigo de José Pacheco Pereira, intitulado «Um país sem vida intelectual», publicado no Público de 31 de Agosto de 2000). Os nossos intelectuais passaram a falar nos partidos, pelos partidos, para os partidos, na linguagem dos partidos. Tornaram-se eles próprios «réus de alta traição» porque também eles mentem ao povo. Hoje, como sempre, predomina o «miserável circo onde se debatem interesses inconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas». Não devia ser verdade. Mas é. Agora, a pergunta que se pode fazer é esta: como se pode fazer omeletes sem ovos, ou seja, como se renova o ideal seareiro se não existem intelectuais seareiros? Outras questões interessantes consistem em saber se não há excepções à regra e se o ideal searense nos interessa realmente mas isso são cenas para outros episódios.

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