segunda-feira, janeiro 16, 2006

MURO DAS LAMENTAÇÕES: Memória de elefante

Já começo a ser repetitivo nos meus lamentos. Eu sei. Mas também ou as pessoas que gostam de mim andam muito distraídas e não conseguem ler as entrelinhas ou então estão-se simplesmente nas tintas. Eu vou contar a história.

Até Dezembro do ano passado, e durante cerca de um ano, fiz parte da administração do Cambridge eLearning Institute em Portugal, uma instituição privada de ensino à distância de matérias tão vastas como a Biologia, o Comportamento animal, o Bem-estar Animal, a Zoologia, a Filosofia, o Pensamento crítico, etc. Foi um trabalho partilhado com a Alexandra Pereira que me deu muito gozo. E o nosso entusiasmo era tanto que programámos logo uma série de cursos on-line para 2006. Mais tarde, juntamente com mais algumas cabeças, começámos a engendrar a criação de uma nova instituição sem fins lucrativos dedicada à educação humanitária – chamar-se-ia Instituto Português para a Educação Humanitária. E começámos também a programar a vinda da Jane Goodall a Portugal ao mesmo tempo que moldávamos aquilo que iria ser uma conferência internacional sobre o conflito entre a conservação e o bem-estar animal. Tudo isto é muito bonito, dá-nos uma pica descomunal e um gozo imenso mas não é tudo. Com os pés bem assentes na terra, sabemos que por vezes temos de parar e reajustar as nossas prioridades. Muitas das vezes por razões de homeostasia interna. Outras vezes porque a nossa capacidade de suportar os nossos próprios fardos extravasa todos os limites e nós deixamos de conseguir fingir. E pior. Deixamos de conseguir suportar. É a altura em que o Rei vai nu e em que todos viram as costas, indiferentes e repelentes. Foi precisamente isso que me aconteceu. Extravasei todos os meus limites e deixei de conseguir fingir. (É claro que as razões concretas existem mas nada que devam saber). Foi então que me demiti de todas as minhas funções e escrevi o seguinte e-mail a uma dúzia de pessoas com quem trabalhava:

Enviada: sáb 10-12-2005 23:16
Caros amigos:

O final do ano aproxima-se e esta é sempre uma boa oportunidade para fazermos um balanço dos últimos 12 meses da nossa vida. E eu fiz o meu. Olhei para trás e assustei-me. Foi um ano horrível a todos os títulos, com o nascimento do Francisco, o meu quarto sobrinho, a ser a única excepção. Tirando isso, nada mais valeu a pena. O meu cansaço, a minha exaustão e a minha tristeza não me permitem planear os próximos 12 meses sem reajustar as minhas prioridades tanto pessoais como académicas ou profissionais. E esse reajustamento, que acredito ser o melhor para mim, implica desistir, implica renovar, implica criar uma fantasia diferente para viver uma realidade também diferente. É por isso que depois de uma profunda e honesta reflexão e ponderação sobre o que quero e o que sinto para o próximo ano, que é como quem diz para o meu pedaço de vida, que tomei a decisão de me demitir de todas e quaisquer responsabilidades, sem qualquer excepção, relativas à criação e actividades do Instituto Português para a Educação Humanitária (isto inclui naturalmente a conferência internacional de Maio de 2006 da Jane Goodall) e do Cambridge eLearning Institute. Desta forma, reunir-me-ei brevemente com a Alexandra Pereira de forma a passar-lhe todas as informações e documentação relativa a essas duas instituições e no dia 31 de Dezembro de 2005 deixarei de ter qualquer associação directa ou indirecta ao IPEH, ao CEI e suas actividades. Os motivos são fundamentalmente pessoais mas também não escondo alguma desilusão por estes projectos não terem correspondido às minhas expectativas. Costuma-se dizer que só nos arrependemos daquilo que não fizemos. Devia ser verdade. Mas não é.

Saúde e fraternidade,
Ricardo S. Reis dos Santos

A única resposta que recebi foi esta:

Recebida: qua 14-12-2005 0:23
Caro Ricardo,

Confesso que fiquei surpreendido pelo teu mail. Embora não te veja há bastante tempo, tenho acompanhado pelo menos parte do teu trabalho, não só com o que se passa no IPEH e no CEI, como também na letra impressa - na revista e nos blogues onde escreves, e muito bem, deixa-me dizer, as tuas crónicas. E a avaliar pela qualidade do teu trabalho, não me passaria pela cabeça que poderias estar a passar por problemas graves. Mas sejam esses problemas quais forem, sempre me pareceste uma pessoa cheia de força, coragem e dinamismo. A forma como escreveste o mail revela-o, e obriga-me também a ser sincero e responder nestas linhas. Desejo-te um 2006 francamente melhor que o 2005, na certeza que irás conseguir dar a volta por cima a esses problemas que enfrentas com a força que te caracteriza. Não pretendo dar-te conselhos, apenas dizer-te que te admiro pela forma como expões as tuas ideias e pela frontalidade com que enfrentas a crise. Espero que encontres a tua fantasia, o teu caminho, seja ele qual for, e que te faça feliz.
Um abraço,
Hugo Pereira

Pois é. A vida tem destas coisas. Às vezes esquecemo-nos. Quer dizer. Talvez seja um problema de memória. Ou talvez não. Isto leva-nos a concluir que memória de elefante só tem mesmo outro elefante. Com algumas boas excepções. É claro. Porque ainda não nos tornámos todos desumanos. Perdão. Indiferentes.
Obrigado Hugo
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