quinta-feira, dezembro 22, 2005

IMPRENSA: Portugal não protege golfinhos


«A Comissão Europeia (CE) iniciou um processo de infracção contra Portugal e mais sete estados membros [França, Espanha, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Grécia e Itália] por falta de protecção e vigilância dos cetáceos – como os golfinhos e as baleias – nas suas águas territoriais. A decisão foi ontem anunciada em Bruxelas.»

In Diário de Notícias, 21-12-2005

Comentário:

A televisão tem destas coisas. Faz-nos acreditar que o mundo é sempre um ecrã a cores e que a gente não passa de meros espectadores que à mínima indisposição pressiona o botão do telecomando e entope os neurónios com lixo da classe 1 e 2, isto é, de novelas e reality shows, respectivamente. Pois. Mas o mundo real não é um ecrã de televisão. É que do outro lado do espelho, parafraseando Lewis Carroll, há todo um mundo desconhecido [de quem não o quer conhecer] que vai acontecendo e que vai esmorecendo enquanto nós vamos mudando enfaticamente de «canal». Tudo isto é uma simples metáfora para o caso dos golfinhos.
Agora oiçam lá.
Por acaso têm noção que bem pertinho de nós, mais propriamente na costa oeste do continente, existe uma zona designada por Estuário do Sado onde reside uma população de golfinhos-roazes há pelo menos 140 anos? E que em toda a Europa só existem quatro ou cinco populações residentes de golfinhos, incluindo Portugal? Pois. Os golfinhos não existiam [pretérito perfeito] só no Tejo. Os golfinhos existem [presente] também no Sado. E depois há todo um manancial de investigadores que têm estudado esta população de golfinhos desde 1981, altura em que a captura destes animais foi proibida por lei. Foram pioneiros nestes estudos os biólogos Francisco Reiner e Manuel Eduardo dos Santos que em 1992 acabariam por fundar o Projecto Delfim – Centro Português para o Estudo dos Mamíferos Marinhos – uma associação científica que reúne hoje investigadores, estudantes universitários, simpatizantes, instituições e empresas que desejam participar no esforço para um melhor conhecimento do meio aquático, em especial dos mamíferos marinhos no seu ambiente natural. Esta história tinha tudo para dar certo. Mas não deu. A verdade é que desde os anos 80 do século passado, alguns anos antes de nascer o Projecto Delfim, portanto, que tem havido uma redução progressiva do grupo de residentes de golfinhos-roazes. As causas parecem óbvias. A poluição sonora causada pelas embarcações comerciais e de recreio e também, espante-se, causada pelas fábricas mais próximas do estuário. Mas também a poluição química causada pelo despejo directo no mar de fluidos contaminados. Esperem aí. Não mudem já de canal. É que ainda falta falar do que é que o Estado fez para proteger esta população. Não rejeito as boas intenções. Mas também lá diz o bom e velho ditado que «de boas intenções está o inferno cheio». É certo que criou o Parque Nacional da Arrábida e a Reserva Natural do Estuário do Sado. E que muito recentemente procedeu a um reajustamente de ordenamento. Isso é insofismável porque são coisas que existem. Pelo menos no papel. Mas olhem lá. Não acham um pouco estranho que numa zona contígua a uma Reserva Natural existam fábricas? Já para não falar na cimenteira serenamente plantada no meio da serra e que até tem um cartaz todo pomposo em que anuncia orgulhosamente que já plantou não sei quantos milhares de árvores! Claro está que tudo isto rodeado duma impressionante vegetação coberta de pó de cimento. E depois a inexistente patrulha das águas estuarinas que todas as semanas são invadidas por dezenas de embarcações de recreio que deslizam sobre o manto azul com absoluto desprezo e ignorância pela vida que está por baixo dos seus pés. E depois, pronto. Os cientistas lá continuam a apregoar que somente uma reabilitação ecológica de todo o habitat bem como medidas drásticas efectivas de protecção do bem-estar destes animais podem constituir motivos de esperança. Mas parece que nos últimos 20 anos, à semelhança do Padre António Vieira, andaram todos a pregar para os peixes! Esperemos agora que este processo de infracção não seja mais um mas sim o motivo de esperança. Se é que ainda existe motivo! Se é que ainda existe esperança! Quer dizer. Se é que ainda existem golfinhos!

Para mais informação sobre os golfinhos-roazes do Sado, consulte o Projecto Delfim.

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