segunda-feira, dezembro 19, 2005

IMPRENSA: O sentido da vida ou entre o céu e a terra

"Enquanto esperamos por alguma ajuda exterior, limitamo-nos a ir vivendo. Sem encarar o facto de estarmos vivos como um dom, por cujo pleno aproveitamento somos responsáveis."

Excerto da crónica de Maria José Costa Félix, na revista XIS do jornal Público [17-12-2005]

«Vejo o mundo como eu sou e não como ele é.»
(Paul Eluard)

A busca do sentido da vida existe pelo menos desde o momento em que o Homem tomou consciência da sua existência. Ao longo dos vários tempos histórios, o Homem foi percepcionando o mundo que o rodeia com admiração. Mas a sua motivação sempre foi a busca do sentido da vida, da sua própria vida, do seu próprio caminho enquanto espécie, enquanto homem ou mulher, enquanto João, Maria, Carlos ou Margarida. Entre o céu e a terra, o Homem escolheu o céu como o princípio desse caminho. Começou primeiro por descobrir o infinito. Observou estrelas e planetas, admirou trânsitos e eclipses lunares e solares, colocou no céu um Deus Todo-poderoso criador de um mundo [terra] perfeito e único. E tudo era bom. Mas o Homem de hoje não é o mesmo. O tempo passou e nós passámos com ele. Quer dizer. Percorremos um longo caminho. E agora, mais próximos da terra, que é como quem diz, mais próximos de nós, aproximamo-nos do espelho. Nessa aproximação merecem destaque dois grandes Homens: Charles Darwin e Sigmund Freud. Com Darwin, o mundo descobriu que as suas origens estão mais próximas da terra que do céu. Descobriu-se como espécie. E com Freud o mundo descobriu um mundo interior absolutamente desconhecido. Descobriu-se como ser humano. Um outro sinal dessa aproximação é a perda da fé e a descrença nesse mundo idealizado e projectado no céu. Perdidos e assustados, exaustos e tristes, os Homens de hoje precisam de inventar um sentido para a vida. E procuram-no agora na terra. Quer dizer. Procuram-no dentro de si. E isso vê-se no cada vez maior número de pessoas que recorre à psicoterapia ou a guias espirituais ou ainda às novas religiões voltadas mais para a terra, isto é, para o indivíduo. Ou nas conversas entre amigos nos cafés, nos bares e nos restaurantes. Conversas essas que não deviamos ouvir mas precisamos de ouvir. Mas esse é o outro lado do espelho e é o outro pedaço de caminho que nos falta percorrer. E que já iniciámos. Para o melhor e para o pior. E é por isso que a crónica de Maria José Costa Félix é bem representativa da forma como estamos ainda muito no início. Esperamos hoje por uma ajuda exterior como no passado esperávamos a ajuda dos Santos. E lmitamo-nos hoje a viver como no passado nos limitávamos também a viver. Mas a diferença é que hoje já não acreditamos em milagres. Quer dizer. Já não acreditamos no céu. Por outro lado, ainda nos custa muito em acreditar em nós próprios. Quer dizer. Acreditar na terra. E por isso vivemos hoje um pouco na ambiguidade que Einstein representou na perfeição em palavras, dizendo: «Só há duas formas de viver a vida. Uma é acreditar que não existem milagres e a outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.» Pois. Resta saber se este é mesmo o caminho certo. Mas também com dizia Victor Frankl, psiquiatra e filósofo, «quando se encontra o sentido, a forma aparece.» Será talvez esse o momento pelo qual todos nós ansiamos. E a nossa fantasia é que nesse momento sejamos felizes para sempre.

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