
A ocitocina é uma molécula muito estudada, não só ao nível da sua caracterização químicas mas também das suas múltiplas funções biológicas. Para quem procura a verdade mecânica do ser humano, é impossível ignorá-la. Para verem a subtileza com que se retira destes estudos autênticas receitas maquiavélicas, ora vejam lá a notícia que o Público publicou em 2005:
Experiências com uma molécula natural
E se um spray pudesse aumentar a confiança que temos nos outros?

02.06.2005 - 13h24 Ana Machado, PÚBLICO
E se lhe dissessem que é possível aumentar a confiança que as outras pessoas têm em si, bastando para isso destapar uma garrafinha e soltar uma espécie de perfume da confiança? Uma equipa da Universidade de Zurique, na Suíça, e da Universidade de Claremont, na Califórnia, desenvolveu um spray nasal à base de ocitocina, uma molécula com funções de hormona e de neuromodulador, que se propõe fazer isso mesmo.
Os cientistas relatam hoje na revista científica britânica Nature que propuseram a um grupo voluntários jogar um jogo de confiança entre investidores e gestores desse investimento. Os voluntários que usaram o spray nasal de ocitocina confiavam mais nos gestores do que os que não foram sujeitos à ocitocina.
A ocitocina é mais conhecida pela sua função hormonal na contracção do útero, durante o trabalho de parto, sendo por isso usada na indução do parto, e durante a amamentação. Há ainda estudos que a relacionam com as relações de amizade e enamoramento, o fortalecimento dos laços entre mãe e filho e o comportamento sexual.
Mas ela também funciona, ao nível dos neurónios, como um péptido (uma molécula com mais de dois aminoácidos), com função neuromoduladora, produzida no hipotálamo, a grande região cerebral responsável pelo controlo das emoções, e ao nível da amígdala, o reduto cerebral dos comportamentos sociais.
Um factor de sucesso
A equipa liderada por Michael Kosfeld e Markus Heinrichs, da Universidade de Zurique, baseou-se noutros estudos que identificavam a ocitocina como um regulador neuronal do comportamento, tendo em conta as funções que desempenha nas interacções sociais positivas. O objectivo dos investigadores era ir ao encontro da origem neurológica de uma das emoções mais importantes nas relações sociais: a confiança.
"A confiança é transversal às relações em sociedade. Estudos recentes indicam que a confiança é crucial no sucesso político, social e económico. Mas pouco se sabe sobre a origem biológica da confiança entre os humanos. Tentámos mostrar que a ocitocina, um neuropéptido que tem uma importância crucial nas relações sociais entre mamíferos não-humanos, aumenta a confiança nas relações entre humanos", diz a equipa.
Os cientistas propuseram uma espécie de jogo de investimento a um grupo de voluntários.
O grupo foi dividido em investidores e gestores desse investimento. Metade dos participantes recebeu ocitocina sob a forma de um spray nasal. Os investidores recebiam então unidades monetárias que deveriam passar para as mãos do gestor do investimento, cuja identidade desconheciam. Cada investimento era triplicado.
O objectivo do jogo era medir a confiança do investidor no seu gestor, no sentido de avaliar quanto do investimento o gestor devolveria ao investidor.
Os investidores que receberam ocitocina faziam investimentos mais altos e tendiam a confiar mais nos seus parceiros. "A ocitocina aumentou a confiança dos investidores. Os que receberam o spray nasal investiram mais do que os investidores que apenas receberam placebos. Os indivíduos que receberam a ocitocina ultrapassavam melhor que os outros o medo de serem traídos", concluíram os cientistas.
Num comentário a acompanhar o artigo, o neurologista português António Damásio, investigador da Universidade do Iowa, nos Estados Unidos, afirma que o mais importante do estudo não é o facto destes voluntários terem aumentado a sua capacidade de confiar após inalarem a ocitocina.
Sem perigo de abuso pelos políticos
O que o estudo vem provar é que a ocitocina, existindo naturalmente no nosso cérebro, actua nas nossas relações sociais normalmente. E avança com outra pista: "Os autores abrem a possibilidade de investigar certas patologias em que a nossa confiança fica afectada, como no autismo, ou em casos em que é anormalmente exagerada. Certas patologias que afectam a amígdala, fazem com que os indivíduos em causa se aproximem de estranhos de modo inesperado, por exemplo", diz o autor.
António Damásio, cuja área de investigação é a de apurar a base biológica das emoções, aproveita ainda para sossegar quem pensa que este estudo pode ser aproveitado para servir causas menos duvidosas: "Alguns podem ficar preocupados com a possibilidade de alguns políticos começarem a pulverizar multidões com ocitocina durante as campanhas eleitorais. Mas de facto o mar-keting político já é sábio em activar os nossos mecanismos biológicos no sentido de atrair a confiança alheia, através de estimulação natural da produção destas hormonas. Para além de tudo isto, a equipa é responsável por dar um grande passo rumo ao conhecimento dos mecanismos biológicos de escolha."
Sem comentários:
Enviar um comentário