quarta-feira, fevereiro 01, 2006

ENTRE QUATRO PAREDES
O princípio: a criança que eu fui chora na estrada
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A criança que eu fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ver quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Alberto Caeiro, Parte I

Há momentos da nossa vida em que sentimos uma necessidade miserável e incompreendida (e incompreensível) de começar do princípio. Há momentos em que todos os faróis se apagam e o mundo perde todos os pontos cardiais. Há momentos em que questionamos a nossa existência e a nossa sobrevivência. Há momentos… há tantos momentos em que sentimos tanta coisa! Há mesmo tantos momentos em que a desilusão nos mostra o outro lado do espelho. É então que perdidos, exaustos e tristes paramos. Atordoados. E depois do atordoamento vêm os desabafos. E o primeiro é que nunca ninguém nos tinha dito que esta coisa de ser adulto era muito complicado. O segundo é que a nossa vida é uma coisa muito séria. E o terceiro, que não é propriamente um desabafo, é que, por vezes, precisamos de ajuda exterior. Não de umas velas ou de umas preces ou tão pouco de um chá de tília – nessas alturas o único chá que nos apetece é o chá preto, que é como sentimos a nossa alma. Mas sim da ajuda de um especialista que nos ajude a, primeiro, encontrar-nos a nós próprios e, segundo, a encontrar o nosso caminho.

E foi assim. Foi assim que eu procurei um psicanalista e iniciei há três anos um longo e duro processo de qualquer coisa que fosse diferente do ponto de partida e em que, se possível, eu me sentisse um pouco menos triste, menos perdido e menos exausto. Se isso acontecesse teria valido a pena. Comecei então por procurar um psicólogo que teria de ser mulher e que fosse bem referenciada. Como tenho uma cunhada psicopedagoga (psicologia educacional) que trabalha com outras psicólogas, pedi-lhe ajuda. Depressa me veio parar à mão um nome e um número de telefone. E também depressa marquei uma consulta. Tudo aconteceu com naturalidade e uma boa dose de nervosismo e ansiedade. Num pequeno escritório de um velho prédio em Lisboa, fui recebido por uma psicóloga de sorriso rasgado e de olhar imponente e penetrante pronta a vasculhar-me a alma (análise preconceituosa minha, claro). A primeira pergunta era previsível: então o que o leva até aqui? Pois. Boa pergunta. Eu acho que foi porque devia ter feito um exame e, em vez disso, fui parar ao hospital com uma crise de ansiedade que só o Valium injectável conseguiu vencer. E achava bem. Naquela altura era a única coisa concreta que tinha para contar. Mas Freud escrevera que «quando o Pedro me fala sobre Paulo, sei mais sobre Pedro que de Paulo» e o meu motivo escondia, na verdade, uma criança a chorar na estrada. Simplesmente isso. Tudo isso. Uma criança a chorar na estrada!

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