domingo, novembro 27, 2005

FOLHAS SOLTAS: Bronislaw Malinowski


Precisava de um livro que me ocupasse o tempo de um fim-de-semana cinzento e triste. Fui à FNAC do Chiado e começei a vasculhar as dezenas de estantes. Todos os livros que pegava despertavam-me uma intensa luta de consciência. É porque o (pouco) dinheiro não me permitia que comprasse tudo aquilo que queria mas apenas aquilo que precisava. Foi então que decidi encontrar um livro barato que fosse ao encontro da minha vontade de pensar. E naquele momento apetecia-me pensar sobre a sexualidade humana e na forma como através dela negamos as nossas origens animais. Apetecia-me pensar nesse conflito. Foi então que encontrei um livrinho de Bronislaw Malinowski publicado pela Petite Bibliothèque Payot intitulado «La sexualité et sa répression dans les sociétés primitives». Tratava-se de uma edição traduzida do inglês para o francês. Mas tratava-se acima de tudo de um clássico dos anos 20 do século passado. E eu não podia deixar de o comprar. O entusiasmo era potenciado pelo facto de uns dias antes ter assistido a uma conferência na Culturgest sobre história do género na idade média. Foi proferida pela Prof. Ana Maria Rodrigues da Faculdade de Letras de Lisboa e intitulava-se «Anjos ou Homens? Reflexões sobre a identidade de género do clero medieval». Esta conferência incidiu particularmente na forma como o clero medieval vivia a tensão entre as exigências do seu sexo anatómico, os modelos de masculinidade vigentes à época e o ideal de pureza imposto pela igreja. Tratava-se pois de um conflito interno de identidade de género. E isso fez-me pensar como a evolução do homem está pejada de repressões da sua identidade de género e das suas origens animais. Talvez faça agora sentido usar o termo de 'inconsciente colectivo' de Carl Jung. Porque a sociedade da qual fazemos parte vive em permanente tensão entre o instinto e a cultura. E nas formas mais requintadas e sublimes que possam imaginar. A escolha de parceiro, por exemplo, é profundamente influenciada pelos modelos sociais incutidos primeiro pela família, depois pelos amigos e finalmente pela sociedade. Os casamentos por conveniência são exemplo mais-que-perfeito dessa escolha 'entre' o instinto e a cultura. Eu até posso estar apaixonado por alguém mas se esse alguém não corresponde ao modelo para o qual os meus pais me programaram, surge então um conflito: sigo o meu instinto e fico com a pessoa por quem estou apaixonado ou cedo à pressão familiar e reprimo esse sentimento? O papel da família é aqui muito interessante. Além de programarem o nosso cérebro ao longo do nosso desenvolvimento, gerem a vida dos filhos com uma arma poderosíssima: o dinheiro. E isso acaba por estar tão enquistado nos nossos cérebros que nos passa despercebido. Os nossos padrões de escolha são manifestamente culturais e não propriamente instintivos. E depois surge o preconceito. É que nem sempre aquele que cheira melhor é o melhor. Apenas teve dinheiro para comprar o perfume mais caro. E depois surgem as opiniões das tias, dos irmãos, das cunhadas - é muito alto, é muito baixo, ganha pouco, bla, bla, bla - que nos fazem pensar e pensar e pensar. Ponto importante. Nunca desiludir os pais. Desiludi-los significa perder muita coisa. A faculdade, a casa, o carro, a gasolina, a roupa, a alimentação, as extravagâncias, etc. Tudo isto é pago por eles. E a opção é entre ou ficar com tudo ou ficar com nada. Quer dizer. De uma forma grosseira, o conflito estabelece-se entre o amor e o dinheiro. Não fui programado nem tenho ninguém a gerir a minha vida. Feliz ou infelizmente. E por isso a minha opinião não interessa muito. Mas apenas vos posso dizer que a história está cheia de pequenas estórias absolutamente impressionantes. A título de exemplo, textos escritos datados do século VII revelam a agonia dos homens e mulheres divididos entre a obediência aos seus pais e a paixão romântica pelo ser amado. No Japão tradicional, os amantes perseguidos optam por vezes pelo duplo suicídio, conhecido por shin ju, quando se vêem prometidos em casamento a outrem. Amor ou dinheiro?! Há quem escolha amor. Há quem escolha dinheiro. E até há quem não escolha nem uma coisa nem outra. Mas desses não reza a história.

(esta reflexão continua numa próxima oportunidade, isto é, quando me apetecer)

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